segunda-feira, 26 de julho de 2010

Diário de filmagem - Primeiro dia




A lua continuava cheia em 28/06 quando saí da cama e vi o sol nascer por volta das seis horas, fato raro na minha existência de notívago. Meu obsessivo plano de filmagens marcava 06h30 como horário de saída de toda a equipe na van branca dirigida por Decleio, nome que ninguém conseguia decorar. O carro pegou primeiro a equipe no hotel, depois a mim na casa do meu pai (ou seria minha casa? várias questões "existenciais" como esta passavam pela minha mente naquele dia). 

 


O primeiro personagem com o qual iríamos conversar era "seu" Walter Nunes de Castro,, que eu conhecera  no forró do Aeroporto Velho, e que escolhi para estar no filme quando disse que "a vida nossa nós não tivemos um mandante que se interessasse por nós e já se sente feliz por quem fala  da gente".  Ele marcou encontro conosco embaixo da caixa d'água da rua Seis de Agosto, perto do quarto onde mora, o que para mim soou como uma necessidade de preservar sua modesta moradia, um quarto alugado perto dali. Não era bem isso e só mais tarde entendi do que se tratava.
Aos 77 anos, aposentado como soldado da borracha, seu Walter é filho de cearense e nasceu no Seringal Iracema, no Acre, onde trabalhou 30 anos como seringueiro. Aí entra uma questão polêmica: decidi incluir no filme seringueiros nascidos no estado porque entendi que a aposentadoria adquirida por eles a partir de 1989 reconheceu o trabalho de todos, migrantes ou nativos, então tomei partido.  Ou seja: depois da aposentadoria, todos que ganham o benefício se denominam soldados da borracha e o filme vai refeletir esse direito adquirido. Não me arrependo: escolhi personagens bastante diferentes entre si, mesmo que a trajetória deles nos seringais tenha vários pontos em comum, e o arco da história vai do Nordeste aos dias atuais, no Acre.


As primeiras imagens que fizemos mostram seu Walter caminhando no calçadão da Gameleira, árvore centenária que continua de pé, às margens do rio Acre, onde hoje uma grandiosa bandeira marca presença. A poderosa câmera Canon EOS 5D, altamente recomendada pelo Pedro, diretor de fotografia, devolveu ao lugar sua dimensão épica e repleta de referências  históricas, reduto do comércio sírio-libanês do início do século XX. Depois fomos bairro vizinho, primeiro porto dos soldados da borracha nordestinos, passando pelo antigo Barracão do Quinze, antigo forró, e ao decadente mercado. Mas a melhor parte - e não programada - foi o encontro de seu Walter com as filhas, em uma pensão atrás do mercado, que ficou parecendo uma aquarela nas lentes do Pedro.
Ah, e ainda tínhamos pela frente a entrevista, fundamental para costurar toda a narrativa. A equipe estava atenta e eu começava a relaxar. Mas, devido ao jogo do Brasil (melhor esquecer isso!), o Parque Capitão Ciríaco, primeira locação programada para fazermos a entrevista, estava fechado. Susanna e eu trocamos ideias sobre um novo local, e Marilda verificava de casa quais eram as alternativas, enquanto Cecília (da casa dela, vizinha ao meu pai) sugeria o Horto. "Sim, o Horto de Rio Branco está lindo, mas talvez lindo demais, e além disso é "feriado de Copa do Mundo", pensava eu. De improviso sugeri irmos à casa da própria Marilda, no bairro da Floresta, mesmo que ela tenha sido a última a saber. O quintal dela, felizmente, guardava todas as fruteiras de que eu me lembrava e o chão tinha um tapete de folhas secas para amparar as lembranças de seu Walter. Na verdade, o cenário não importava muito, mas sim o que ele tinha a dizer. E como ele falou bem!, com direito a filosofia popular e um singelo canto no final da conversa. Foi o grande momento dele no filme, mas não o último, como vocês lerão mais adiante.

3 comentários:

  1. Suas narrativas dão a dimensão do que nos espera esse documentário. Estamos na expectativa.(Dora)

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  2. Obrigado, Dora. Espero passar adiante as boas histórias desses personagens e a própria aventura de fazer o documentário!

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  3. Olá Cesar, me chamo Handerson e atualmente moro em Assis Brasil/AC, sou Assistente Social do CRAS e gosto muito do que faço.
    Vendo um pouco do seu Blog percebi que gosta de documentários e isso me motivou a contactar voçe, pois sempre que posso nas quartas-feiras me reuno com os nossos idosos do Grupo Vida Ativa, composto por mais de cinquenta idosos.
    Me preocupei bastante, porque nesse ano ja perdemos vários amigos por motivos diversos, contudo, minha preocupação são as histórias desses homens e mulheres que vinheram de outros estados que estão indo com eles para seus tumulos.
    Sabe, quarta-feira quero passar um vídeo documentário sobre o legado dos soldados da borracha para tentar fazer um resgate histórico e infelizmente a cidade não dispõe de filmes. Mesmo não sendo suas histórias, mas sei que em algum momento do relato de outro eles iram identificar um ponto de sua trajetória, pois sei que todos viveram a época da borracha.
    Se voçe tiver como me enviar algum material, por favor entre em contato. handersondoacre@hotmail.com

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