quarta-feira, 28 de abril de 2010

O rei caboclo e o amansador de índios






João Alves da Cruz e Justino Antônio de Souza formam uma dupla inusitada, com quem estive na tarde passada em Plácido de Castro. João, moreno e de fala apaziguada, parece um rei caboclo, sem afobação. Justino, 82 anos, cearense, alto e branco, ainda guarda o ímpeto que fez dele líder e amansador de índios, a pedido do patrão seringalista.
João, 83 anos, nascido no Pará, foi seringueiro perto do Rio Tapajós, a serviço de norte-americanos, durante a Segunda Guerra, me fazendo pensar que ainda há muita coisa a ser melhor esclarecida sobre esse período na Amazônia.
Justino lembra com orgulho ter escapado de ir para a guerra durante exercícios para as tropas em Fortaleza. Lá, segundo ele, os governos norte-americano e brasileiro convocaram 66 mil brasileiros para lutar na Amazônia: "Por causa da falta de borracha para fazer bomba, os americanos estavam perdendo a guerra".
De uma maneira ou de outra, todos os soldados da borracha com quem converso me perguntam sobre a questão do reajuste da aposentadoria. Sem querer frustá-los, lembro a eles que a maior fortuna que têm é a história que (ainda) podem contar.

Língua solta



Encontrei José Alves Costa no balcão de seu bar na beira da rua, em Plácido de Castro. Aos 86 anos, sem camisa, ele não parece ter se esquecido de nada do que passou como soldado da borracha. Desfia as histórias sobre a perseguição do submarino alemão ao navio em que vinha para o Acre como se tivesse acontecido ontem. Diz que tirava de 30 a 35 latas de leite (látex) por dia. E, dedos em riste, não acredita que a aposentadoria (dois salários-mínimos, sem décimo-terceiro) vá ser equiparada a dos pracinhas (sete salários). Quando pergunto sobre os bichos da mata nos tempos em que viveu no seringal, abre o verbo: "Onça não faz medo, faz medo é cobra e cabra ruim". Digamos que seu José sabe se defender.

De volta a Plácido de Castro



Quando comecei a pesquisar a trajetória dos soldados da borracha, entre 2002 e 2003, um dos primeiros locais que visitei foi Plácido de Castro, cidadezinha a pouco mais de cem quilômetros de Rio Branco. Fica em uma das fronteiras acreanas com a Bolívia, onde se pode comprar importados por baxo preço. Foi lá que conheci o pessoal do Sisbex, antigo sindicato dos soldados da borracha, atualmente desativado. Dizem que tudo ficou parado depois da morte de Zé Pretinho (José Otávio do Nascimento), em 2004. É ele que canta o "Vamos partir/ vamos partir/ para o Amazonas" no teaser do post abaixo, uma espécie de hino cantado pelos soldados da borracha nos navios que saíam do Nordeste para a Amazônia.
Ao voltar a Plácido de Castro, me senti na obrigação de mostrar as imagens de Zé Pretinho para a viúva dele, Maria de Lourdes, para ela não se assustar ao ver o marido cantando no teaser, que já está circulando por aí. Dona Maria de Lourdes, que aparece na foto, ficou muito surpresa e agradecida ao assistir às imagens no notebook empoeirado e foi logo abrindo os poucos papéis do marido: uma carta datilografada em que ele resume sua história de soldado da borracha desde a saída da Bahia, um anel e um folheto de promoção da Seleções do Reader's Digest prometendo uma pequena fortuna, que ela acredita ser recebida em breve. Ao lado, a filha, cega de nascença e com problemas mentais, parecia alheia a toda esperança. No quintal, os gansos vigiavam a entrada. Mas parece que já não há muito para elas perderem.
Na esquina, pelo menos, mora o outro filho, Davi, dono de uma padaria,que me faz supor que o pão de cada dia está garantido.

domingo, 25 de abril de 2010

Um forró no Aeroporto Velho

Sempre achei que esse filme devia ter forró, porque nada mais nordestino do que isso. Pois bem: depois de uma visita não programada a uma espécie de centro cultural para a terceira (melhor?) idade, no bairro do Aeroporto Velho, aqui em Rio Branco, descobri um forró com jeito de matinê de sábado à tarde que é o paraíso dos soldados da borracha. Cheguei lá um pouco cansado dos 40 e muitos graus do dia, mas dona Socorro, a coordenadora do lugar, logo me indicou dois soldados e fez a promessa de arrumar outros. Cumpriu a promessa: me arrumou uma mesinha e cadeiras no quintal e me vi cercado de soldados da borracha, viúvas de soldados, com personagens que merecem não um, mas muitos filmes. Segue aí um trechinho muito fajuto que eu gravei improvisadamente, mas já dá para ter uma idéia do arrasta-pé. Acho que já sei como vou incluir o forró na fita...

quinta-feira, 22 de abril de 2010

No Quinze, perto da Gameleira




Depois de um post- release sobre o documentário, chegou um momento mais prazeroso da produção. Desde terça-feira, dia 21 de abril, estou em Rio Branco, Acre, para escolher locações e conversar com alguns personagens. É minha terra, é minha cidade, mas não deixa de ser uma redescoberta voltar aqui para realizar uma tarefa específica de um projeto tão sonhado por mim.
O primeiro dos soldados da borracha com quem conversei vocês podem ver aí na foto: Sebastião Rodrigues dos Santos, 90 anos (!),
que se lembra até hoje o dia em que chegou à cidade, justamente ali no bairro onde mora atualmente, o Quinze, perto da Gameleira, árvore às margens do Rio Acre, que permanece como uma guardiã da cidade e de sua história. "Seu" Sebastião recorda que seu primeiro trabalho foi no Seringal Tucumã e não, não se arrependeu de ter saído do Rio Grande do Norte nem nunca mais voltou para lá. Zanzou por muitos seringais e, aposentado, voltou para o cenário do Quinze. Sim, como a gameleira, ele também é firme e lançou raízes na beira do rio.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Soldados da Borracha é contemplado no ETNODOC


Selecionado entre mais de 700 projetos, o documentário “Soldados da Borracha”, do diretor acreano Cesar Garcia Lima, é um dos vencedores do ETNODOC 2009, edital que tem como objetivo o apoio a documentação e difusão do Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro. “Soldados da Borracha”, média-metragem a ser realizado em parceria com a Modo Operante Produções, sediada no Rio de Janeiro, já tem exibição garantida nas TVs públicas e será inscrito na Mostra Internacional do Filme Etnográfico de 2010. A equipe tem até outubro para realizar o filme, já em fase de produção, e busca apoio para as filmagens.
O filme, que será rodado em breve em Rio Branco, Xapuri e Plácido de Castro, no Acre, narra a trajetória dos nordestinos convocados pelo governo de Getúlio Vargas para extrair borracha na Amazônia para ajudar os Aliados. “Darei destaque à história desses personagens no Acre, que foi o principal destino de todos eles, e onde a consciência ecológica se desenvolveu com maior entusiasmo a partir dos ideais de Chico Mendes”, explica do diretor Cesar Garcia Lima, que vive no Rio de Janeiro e pesquisa o tema há mais de oito anos. Jornalista e poeta, Cesar atua como professor convidado do curso de Especialização em Jornalismo Cultural da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), onde também cursa o doutorado em Literatura Comparada. Até o final deste mês de abril, Cesar irá ao Acre para definir locações e fazer as primeiras entrevistas com os personagens do filme.